Cultura
Arcoverde recebe sessão especial do filme “O Silêncio da Noite”, sobre poetas do Pajeú
Antes da estreia nacional e como parte do circuito alternativo de exibições pelo interior, cidade tem sessão inédita e gratuita, seguida de debate com o diretor, dia 07 de março
Nos rincões do sertão entre Pernambuco e Paraíba reza a lenda: quem bebe da água do Rio Pajeú, vira poeta. Definindo o cotidiano das pessoas, nas festas, residências, nos mercados, relembrando histórias de cantorias, em grandes respostas poéticas e dissertando sobre o sentimento, a poesia é onipresente e primordial. E é ela a protagonista em O Silêncio da Noite é que tem sido Testemunha das Minhas Amarguras.
O filme tem estreia nacional dia 15 de março em algumas capitais, mas antes passa por cidades do interior de Pernambuco, promovendo um circuito gratuito de exibições na região. Em Arcoverde, a sessão acontece na terça-feira, 07.03, às 20h, na Área externa da Estação da Cultura, com presença do diretor Petrônio Lorena.
O evento tem o apoio da Secretaria de Cultura e Comunicação da Prefeitura de Arcoverde, Estação da Cultura e Cineclube Locomotivo.
Finalista entre os dez melhores filmes da 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo – São Paulo, SP (2016), o longa foi rodado nas cidades de Ouro Velho e Prata (PB) e da pernambucana São José do Egito, tomada como berço imortal da poesia. O documentário passeia pela região, revelando a tradição herdada por várias gerações, vidas pautadas pela poesia e a peculiar e orgulhosa prática diária de poetas, sonetistas, cantadores e violeiros que fazem de métricas e rimas disciplinadas um modo de vida.
O Silêncio da Noite é a segunda produção em longa-metragem de Petrônio Lorena (de O Gigantesco Imã), diretor e também compositor e produtor musical para trilhas. Nascido em Serra Talhada, localizada a duas horas de São José do Egito, desde a infância se interessava pela poesia, pela composição de músicas, sempre em contato com os poetas da região. Em 2010 deu o impulso inicial, realizando um profundo trabalho de pesquisa e de desenvolvimento de roteiro, apoiado pelo Funcultura. Filmou aos poucos, em muitas idas ao sertão, até 2015.
A distribuição do longa, realizada pela Inquieta Cine, conta também com financiamento do Funcultura, junto com o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).
“O que eu acho mais legítimo do documentarista é sempre voltar àquilo no qual está trabalhando, criar um envolvimento. Eu sempre retornava à região. Esse envolvimento fez com que a poesia, que já estava presente, entrasse mais ainda dentro de mim; não a métrica, não o saber fazer poético, mas o sentimento. Lá tem muitos que dizem:‘o verdadeiro poeta é o outro’. E o outro é aquele que sente. Então o verdadeiro poeta é o quesente,o que foi transformado”,explica o diretor Petrônio Lorena.
A taciturna frase que dá nome ao filme faz alusão a uma das figuras mais interessantes retratadas no longa: Severina Branca, dita a “Eleonor Rigby do Nordeste”, e quem deu o ‘mote’ ao poema elaborado, então, por Didi Patriota. Musa e prostituta, poetisa e boêmia, Severina encantava os poetas da região, dando-lhes ‘motes’ rebuscadíssimos, cantados por eles, falando não apenas da vida dela, mas das amarguras de ser poeta. “O título refere-se também à dor e à alegria de ser poeta; da cumplicidade da madrugada na criação desses versos num sertão conservador e da utilidade social que a poesia traz a essas pessoas”, completa Petrônio.
“Meus filhos são passarinhos
Que vivem dos meus gorjeios
Eu para encher os seus papos
Cato grãos em chãos alheios
E só boto um grão no meu
Quando vejo os deles cheios.”
(Lourival Batista)
“Se a coruja é minha companheira
O relógio se marca meia-noite
Ela sai pra fazer o seu açoite
Sai de dentro da sua cumeeira
Me acompanha entremeio
A fumaceira de uma neve que cai pela cidade
E o fantasma cinzento da saudade
Sai de dentro das furnas mais escuras
Onde existem tamanhas rachaduras
Que o tempo marcou sem ter pedido
Que o silêncio da noite é que tem sido
Testemunha das minhas amarguras”
(Didi Patriota)
Cosmologia
Dizem que a princípio, o caos pesou
E a luz surgiu do choque das camadas
Tais narrativas são falsificadas
Não há quem saiba como começou
Se as massas foram impulsionadas
Tem uma força que as impulsionou
Pergunto eu por quem foram tocadas
E fico como um sábio uma vez ficou
Célula, ovo, do nada em transição
Gameta de pequena evolução
Crepúsculo de caótica procedência
Originária da microssomia
Desenvolvendo a macrossometria
Da monstruosidade da existência.
(Biu de Crisanto)